Como avaliar a criança com
Deficiência Intelectual
Como avaliar o aluno com
deficiência? Mara Lúcia Sartoretto
A avaliação sempre foi uma
pedra no sapato do trabalho docente do professor. Quando falamos em
avaliação de alunos com deficiência, então, o problema torna-se
mais complexo ainda. Apesar disso, discutir a avaliação como um
processo mais amplo de reflexão sobre o fracasso escolar, dos
mecanismos que o constituem e das possibilidades de diminuir o
violento processo de exclusão causado por ela, torna-se fundamental
para possibilitarmos o acesso e a permanência com sucesso dos alunos
com deficiência na escola.
De
início, importa deixar claro um ponto: alunos com deficiência devem
ser avaliados da mesma maneira que seus colegas.
Pensar a avaliação de
alunos com deficiência de maneira dissociada das concepções que
temos acerca de aprendizagem, do papel da escola na formação
integral dos alunos e das funções da avaliação como instrumento
que permite o replanejamento das atividades do professor, não leva a
nenhum resultado útil.
Nessa linha de raciocínio,
para que o processo de avaliação do resultado escolar dos alunos
seja realmente útil e inclusivo, é imprescindível a criação de
uma nova cultura sobre aprendizagem e avaliação, uma cultura que
elimine:
- o vínculo a um resultado
previamente determinado pelo professor;
- o estabelecimento de
parâmetros com os quais as respostas dos alunos são sempre
comparadas entre si, como se o ato de aprender não fosse individual;
- o caráter de controle,
adaptação e seleção que a avaliação desempenha em qualquer
nível;
- a lógica de exclusão,
que se baseia na homogeneidade inexistente;
- a eleição de um
determinado ritmo como ideal para a construção da aprendizagem de
todos os alunos.
Numa escola onde a avaliação
ainda se define pela presença das características acima certamente
não haverá lugar para a aceitação da diversidade como inerente ao
ser humano e da aprendizagem como processo individual de construção
do conhecimento. Numa educação que parte do falso pressuposto da
homogeneidade não há espaço para o reconhecimento dos saberes dos
alunos, que muitas vezes não se enquadram na lógica de
classificação das respostas previamente definidas como certas ou
erradas.
O que estamos querendo dizer
é que todas as questões referentes à avaliação dizem respeito à
avaliação de qualquer aluno e não apenas das pessoas com
deficiências. A única diferença que há entre as pessoas ditas
normais e as pessoas com deficiências estão nos recursos de
acessibilidade que devem ser colocados à disposição dos alunos com
deficiências para que possam aprender e expressar adequadamente suas
aprendizagens. Por recursos de acessibilidade podemos entender desde
as atividades com letra ampliada, digitalizadas em Braille, os
interpretes, até uma grande gama de recursos da tecnologia assistida
hoje já disponíveis, enfim, tudo aquilo que é necessário para
suprir necessidades impostas pelas deficiências, sejam elas
auditivas, visuais, físicas ou mentais.
Neste contexto, a avaliação
escolar de alunos deficientes ou não, deve ser verdadeiramente
inclusiva e ter a finalidade de verificar continuamente o
conhecimento que cada aluno possui, no seu tempo, por seus caminhos,
com seus recursos e que leva em conta uma ferramenta muito pouco
explorada que é a co-aprendizagem.
Nessa mudança de
perspectiva, o primeiro passo talvez seja o de nos convencermos de
que a avaliação usada apenas para medir o resultado da aprendizagem
e não como parte de um compromisso com o desenvolvimento de uma
prática pedagógica comprometida com a inclusão, e com o respeito
às diferenças é de muito pouca utilidade, tanto para os alunos com
deficiências quanto para os alunos em geral. .
De qualquer modo, a
avaliação como processo que contribui para investigação constante
da prática pedagógica do professor que deve ser sempre modificada e
aperfeiçoada a partir dos resultados obtidos, não é tarefa simples
de ser conseguida.Entender a verdadeira finalidade da avaliação
escolar só será possível quando tivermos professores dispostos a
aceitar novos desafios, capazes de identificar nos erros pistas que
os instiguem a repensar seu planejamento e as atividades
desenvolvidas em sala de aula e que considerem seus alunos como
parceiros, principalmente aqueles que não se deixam encaixar no
modelo de escola que reduz o conhecimento à capacidade de
identificar respostas previamente definidas como certas ou erradas.
Segundo a professora Maria
Teresa Mantoan, a educação inclusiva preconiza um ensino em que
aprender não é um ato linear, continuo, mas fruto de uma rede de
relações que vai sendo tecida pelos aprendizes, em ambientes
escolares que não discriminam, que não rotulam e que oferecem
chances de sucesso para todos, dentro dos interesses, habilidades e
possibilidades de cada um. Por isso, quando apenas avaliamos o
produto e desconsideramos o processo vivido pelos alunos para chegar
ao resultado final realizamos um corte totalmente artificial no
processo de aprendizagem.
Pensando assim temos que
fazer uma opção pelo que queremos avaliar: produção ou
reprodução. Quando avaliamos reprodução, com muita freqüência,
utilizamos provas que geralmente medem respostas memorizadas e
comportamentos automatizados. Ao contrario, quando optamos por
avaliar aquilo que o aluno é capaz de produzir, a observação, a
atenção às repostas que o aluno dá às atividades que estão
sendo trabalhada, a análise das tarefas que ele é capaz de realizar
fazem parte das alternativas pedagógicas utilizadas para avaliar.
Vários instrumentos podem
ser utilizados, com sucesso, para avaliar os alunos, permitindo um
acompanhamento do seu percurso escolar e a evolução de suas
competências e de seus conhecimentos. Um dos recursos que poderá
auxiliar o professor a organizar a produção dos seus alunos e por
isso avaliar com eficiência é utilizar um portfólio.
A utilização do portfólio
permite conhecer a produção individual dos alunos e analisar a
eficiência das práticas pedagógicas do professor. A partir da
observação sistemática e diária daquilo que os alunos são
capazes de produzir, os professores passam a fazer descobertas a
respeito daquilo que os motiva a aprenderem, como aprendem e como
podem ser efetivamente avaliados.
No caso dos alunos com
deficiências, os portfólios podem facilitar a tomada de decisão
sobre quais os recursos de acessibilidade que deverão ser oferecidos
e qual o grau de sucesso que está sendo obtido com o seu uso. Eles
permitem que tomemos conhecimento não só das dificuldades, mas
também das habilidades dos alunos, para que, através dos recursos
necessários, estas habilidades sejam ampliadas.
Permitem, também, que os
professores das classes comuns possam contar com o auxílio do
professor do atendimento educacional especializado, no caso dos
alunos que freqüentam esta modalidade, no esclarecimento de dúvidas
que possam surgir a respeito da produção dos alunos.
Quando utilizamos
adequadamente o portfólio no processo de avaliação podemos:
- melhorar a dinâmica da
sala de aula consultando o portfólio dos alunos para elaborar as
atividades:
- evitar testes
padronizados;
- envolver a família no
processo de avaliação;
- não utilizar a avaliação
como um instrumento de classificação;
- incorporar o sentido ético
e inclusivo na avaliação;
- possibilitar que o erro
possa ser visto como um processo de construção de conhecimentos que
dá pistas sobre o modo cada aluno está organizando o seu
pensamento;
Esta maneira de avaliar
permite que o professor acompanhe o processo de aprendizagem de seus
alunos e descubra que cada aluno tem o seu método próprio de
construir conhecimentos, o que torna absurdo um método de ensinar
único e uma prova como recurso para avaliar como se houvesse
homogeneidade de aprendizagem.
Nessa perspectiva,
entendemos que é possível avaliar, de forma adequada e útil,
alunos com deficiências. Mas, se analisarmos com atenção, tudo o
que o que se diz da avaliação do aluno com deficiência, na verdade
serve para avaliar qualquer aluno, porque a principal exigência da
inclusão escolar é que a escola seja de qualidade – para todos! E
uma escola de qualidade é aquela que sabe tirar partido das
diferenças oportunizando aos alunos a convivência com seus pares, o
exemplo dos professores que se traduz na qualidade do seu trabalho em
sala de aula e no clima de acolhimento vivenciado por toda a
comunidade escolar.